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Pela preservação do Patrimônio: a Antiga Cervejaria da Polar, em Estrela, RS

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I. Do Manifesto

Os abaixo-assinados, professores universitários, sentem-se no dever de, por meio desse manifesto, declarar sua desaprovação à iminente demolição de parte importante da Antiga Fábrica da Polar, em Estrela.

A industrialização desempenhou um papel essencial na história da Humanidade e teve um impacto profundo na formação cultural, econômica e social das mais diversas comunidades ao redor do globo nos últimos três séculos. “Os vestígios materiais destas profundas mudanças apresentam um valor humano universal e a importância do seu estudo e da sua conservação deve ser reconhecida”, diz a Carta de Nizhny Tagil (2003), referência mundial no reconhecimento do Patrimônio Industrial.

A Antiga Fábrica da Polar é um testemunho de atividades que tiveram e que ainda têm profundas consequências históricas. Sua presença física na paisagem estrelense resguarda valores históricos, científicos e tecnológicos que dão forma à memória, ajudam a construir a identidade de sua população e fundamentam o desenvolvimento econômico e social.

A estrutura da Fábrica, além de objeto de preservação, é, também, matéria para aproveitamento sustentável. É um contrassenso se desfazer desse importante patrimônio, tendo em vista que seus espaços, enriquecidos pelo peso da história, podem ser adaptados para servirem às mais diversas demandas de uma cidade contemporânea.


II. Da dimensão histórico-cultural

A história da cidade é indissociável da história da Cervejaria. Conforme o Álbum do Cinquentenário do Município de Estrela, já havia uma cervejaria presente na atual rua Arnaldo José Diel, pelo menos desde 1914. Ao longo dos anos, processos de compra e venda e mudanças produtivas tornaram a antiga cervejaria a maior indústria do município, chegando a ocupar várias quadras no bairro Centro. Este conjunto de processos é extremamente importante porque é fonte de estudo de processos socioespaciais que aconteceram na cidade, além de fazer parte do patrimônio cultural presente na própria fábrica e na memória de muitos indivíduos. Documento escrito por Schneider (2015) explica que a Cervejaria, embora tenha sido desativada em 2006, representa para estrelenses simbologias ligadas à força econômica, histórico de imigração alemã, engenhosidade e progresso.

Conforme documentos do jornal Informativo, foi na Cervejaria Polar que começaram a se utilizar garrafas de cor âmbar para engarrafar bebidas, que permitiam melhor conservação do produto. Para alguns, a Cervejaria representou progresso e inventividade. Para outros, também trouxe dor pela perda de identidade. Isso porque todo esse progresso ocorreu junto com a remoção de vários moradores da antiga Rua da Praia, impossibilitando a continuidade do seu contato com o Rio, fonte de alimento e lazer. Um trabalho de Schneider (2015) dá conta que os moradores da Rua da Praia possuíam suas vidas cotidianas entrelaçadas aos ritmos da Cervejaria. O apito da fábrica e o gelo produzido pela Cervejaria determinavam ritmos e estilos de vida. Seja produzindo narrativas de júbilo sobre o desenvolvimento de Estrela, seja por trazer memórias de desterro, falar da Polar é falar da identidade da cidade.

A memória da Polar não é de uma só pessoa: é uma memória coletiva (Pesavento, 2005) e compartilhada entre gerações e dão identidade coletiva aos cidadãos estrelenses. Essa memória pode ser melhor preservada através dos antigos prédios da Cervejaria, porque eles são uma paisagem material que não se pode negar: está ali à vista dos que por ali passam.


III. Desenvolvimento dos argumentos

Tendo em vista o exposto, o grupo abaixo-assinado vem manifestar sua perplexidade com a decisão do poder público municipal, que contraria a finalidade para a qual o complexo foi adquirido há mais de uma década, frustrando as expectativas da população de ver seu patrimônio preservado e de receber um novo espaço de lazer e cultura à beira do rio.

A intenção do grupo não é criar uma falsa polarização entre decidir pela preservação ou pelo progresso, gerar um dualismo entre conservar ou renovar. Não se trata disso, uma vez que entendemos que as duas coisas são possíveis de serem conciliadas. Entendemos também que o poder público tem não só o direito como também o dever de tomar decisões e fazer propostas sobre os bens imóveis do município, mas que estas devem ser pautadas em critérios técnicos, ter amparo legal e apoio da população.

No caso da decisão do poder municipal de entregar o terreno ao Estado para a construção da nova sede do Fórum, percebemos que está havendo um desvio de finalidade no uso deste espaço que desconsidera o patrimônio edificado e a vocação do lugar. O terreno tem frente para o rio e se insere no conjunto edificado do complexo da antiga fábrica da Polar. No local se encontra a Escadaria, que há poucos anos foi restaurada e entregue para a população, servindo, desde então, como um novo marco de contemplação, lazer e cultura para a cidade. A área tem sido apropriada pela comunidade para usos culturais, como o projeto Arte na Escadaria, que tem trazido grande vitalidade e uma reaproximação das pessoas com o rio Taquari.

Ao simplesmente se apropriar de uma parte do conjunto para inserir de forma sintomática uma nova atividade que não se adequa aos seus usos, o poder público estará descaracterizando a área e acabando com o seu verdadeiro potencial, que tem na localização singular a sua grande força. A inserção de um equipamento como o Fórum irá gerar fluxos e impactos que prejudicarão este tipo de uso, bem como a descaracterização do conjunto patrimonial que assim perderá a sua integridade.

O que o grupo pretende alertar é que o conjunto da antiga Polar necessita de um outro tipo de tratamento, que não seja regido pelas circunstâncias e conveniências do momento, mas que siga uma política de preservação e reinserção urbana. Logo, há a necessidade de um planejamento adequado, com um plano de requalificação para todo o conjunto dos imóveis, que dê as diretrizes de intervenção para esta área. Dentro desse plano cabem novas atividades e usos, mas que devem ser inseridos baseados em critérios técnicos, estudos e projetos.

Os prédios e o conjunto fabril da Polar, no Município de Estrela, são bens que possuem acentuado valor cultural. É importante mencionar que a identificação do valor cultural de um bem não emerge da mera criação da autoridade, visto que ele já tinha existência histórica no quadro da sociedade. Deve ser preservado o valor histórico e arquitetônico do Edifício, como realidade social, em virtude de constituir valor histórico e paisagístico, sendo de interesse da comunidade, sobretudo em virtude do resguardo de tradições locais.

Essa ação é fundamental para garantir o desenvolvimento equilibrado e sustentável da cidade, para que ela mantenha as qualidades da paisagem urbana que revela a passagem do tempo e suas memórias. A decisão de doação e demolição descaracterizará esta bela paisagem, prejudicando irremediavelmente o legado da história do município e seu reconhecimento regional.

Conforme o Decreto-Lei número 25, de novembro de 1937, o Patrimônio Cultural é definido como “um conjunto de bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação é de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. Ressalta-se também, a definição da UNESCO na qual “o patrimônio cultural é composto por monumentos, conjuntos de construções e sítios arqueológico, de fundamental importância para a memória, a identidade e a criatividade dos povos e a riqueza das culturas”. Esta definição foi realizada na Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, elaborada na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em Paris (1972). Nesse sentido, reafirma-se a relevância desta edificação e sua salvaguarda. Ainda, de acordo com a Constituição Federal, é fundamental que os municípios atentem para as diretrizes, tal como cita o Art.23, III que “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (...) proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis, os sítios arqueológicos; (...). E, na sequência, o artigo 30, IX coloca que “ Compete aos Municípios: (...) promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual”.

Aliado a isso, a comunidade também tem um papel fundamental na defesa dos seus valores. Conforme a Constituição Federal, artigo 216, parágrafo primeiro: “O Poder Público, com colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de registros, vigilância, tombamentos e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”. Quanto às questões legais, ressalta-se que o Plano Diretor do município de Estrela caracteriza a área da Cervejaria Polar como “Zona de Interesse Institucional”, destacando no artigo 17, parágrafo XII, que esta é uma área a ser revitalizada. É fundamental mencionar que “revitalizar” não significa demolir ou destruir, nem parte, nem a totalidade do bem, mas “dar nova vida ao lugar”. Conforme Moura (2006), a revitalização consiste na “refuncionalização estratégica de áreas dotadas de patrimônio, ou seja, de objetos antigos que permaneceram inalterados no processo de transformação do espaço urbano, de forma a promover uma nova dinâmica urbana baseada na diversidade econômica e social”.

Para finalizar, conforme cita Pierre Schneider a respeito de Roma, “os Monumentos históricos, construções industriais e edifícios públicos obsoletos oferecem oportunidades excepcionais aos arquitetos que os compreendem. E, além das vantagens econômicas oferecidas pela reconversão, a reciclagem pode dar às cidades uma magia que jamais teriam obtido sendo mumificadas como monumentos históricos”. Portanto, o grupo abaixo-assinado, acompanhado pela opinião popular que pode ser verificada por meio de redes sociais e abaixo assinado virtual1, questiona a posição do município em demolir o conjunto ou parte do conjunto da antiga Polar, sendo esta uma decisão que trará profundos traumas para a comunidade, perdas significativas na paisagem cultural da identidade local, assim como grande impacto negativo na história e memória a ser cultivada às futuras gerações.

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